Este é um blog sobre o estilo de vida gamer, o estilo de quem compreende os jogos eletrônicos como forma de arte, cultura, negócio e entretenimento; o estilo de quem joga, mas sobretudo de quem pensa os jogos; o estilo de quem se assume gamer, e vê nisso não um escapismo, mas um complemento a todos os outros aspectos e aspirações de sua existência serenamente revolta.
Espere tópicos filosóficos, amenidades, discussões, polêmicas, opinião, tudo isso junto e nada disso também. Enfim, viva o estilo de vida gamer e venha aqui debatê-lo.
O desafio de se fazer uma análise sólida de jogo sob a pressão do relógio
A imprensa de entretenimento eletrônico, na qualidade de profissão, tem tantas agruras quanto tem encantos. Um desses inconvenientes é a implacabilidade do tempo. O tempo… amigo dos prudentes e algoz de todos, ele vigia o trabalho ininterruptamente, cobra pontualidade sem concessões. Seja em qual mídia for, cada uma com suas peculiaridades, todos devem servir ao senhor absoluto, o “fechamento” – que também atende pela alcunha de “prazo” ou pelo anglicismo que tão precisamente descreve seu caráter, “deadline”.
No jornalismo de games, tal senso de urgência causa certos embaraços a uma prática em particular: a crítica de jogos. O processo varia pouco: primeiro, obtém-se o jogo, seja uma cópia enviada antecipadamente pela produtora (hipótese que, no caso dos veículos de comunicação brasileiros, se concretiza apenas com perseverança e um pouco de sorte), seja a aquisição da versão final pós-lançamento. Então joga-se o possível, quase nunca o necessário, mas geralmente o bastante para se formar uma opinião. Quase que simultaneamente à experiência, nasce o texto, que é publicado na edição do mês (no caso da mídia impressa), visando coincidir com a chegada do jogo às lojas. Tudo para atender a um propósito pragmático: possibilitar ao leitor uma decisão de compra informada.
Sistema: Xbox 360 Produção: Microsoft Game Studios Desenvolvimento: Silicon Knights Lançamento: 19 de agosto de 2008 (EUA) / 17 de setembro de 2008 (Brasil) Mais:http://www.xbox.com/pt-BR/games/splash/t/toohuman/
O processo de criação de um filho é um desafio fascinante. Há que se dar amor, atenção, valores, instrução, sustento e, ainda assim, atentar para as boas e más propensões para fazer as correções de percurso possíveis. Como o rebento é uma consciência livre, evidente que ele trilhará as sendas que lhe parecerem mais convenientes ou atraentes. Caso o percurso não siga na direção almejada pelos genitores nos primeiros passos da criança, a tendência é que os pais tentem dissimular os problemas ou atenuar seus efeitos perante os outros, na tentativa de proteger a cria da opinião alheia. Em casos extremos, levados pela incondicionalidade da estima, os defeitos do filho escapam mesmo às vistas dos pais – a ilusão, para eles, consciente ou inconscientemente, é melhor que o fracasso do projeto ternamente anelado e longamente praticado.
Ao longo da vida, somos pais não apenas de crianças. Uma família assim, exemplar até, é a da Silicon Knights. Sob os auspícios do patriarca Denis Dyack, filhos virtuosos cresceram e fizeram nome: Legacy of Kain, Eternal Darkness, Metal Gear Solid: The Twin Snakes. Mas dizem que toda família tem uma ovelha negra, e o garoto problema do lar de Dyack é Too Human, cuja (má) fama o precedeu.
Sistema: Nintendo DS Produção: Square Enix Desenvolvimento: Matrix Software Lançamento: 21 de julho de 2008 (EUA) Mais:http://na.square-enix.com/ff4/
Em 1991, a transição dos 8 para os 16-bit mal se completara. Como todos os outros gêneros de então, o RPG tateava um caminho para a maturidade, nem sempre com resultados inspiradores. Nesse contexto, Final Fantasy IV teve papel determinante: seu enredo elaborado, narrativa ousada e sistema de batalhas dinâmico tornaram-se os pilares sobre os quais se sustentou toda uma geração de jogos.
Passados 17 anos, a obra pioneira do passado tem dificuldades para se justificar. Após três releituras (a última há pouco mais de dois anos) e num ambiente de RPGs altamente sofisticados, é difícil não questionar: por que mais um remake de Final Fantasy IV?
Numa figura de linguagem bem apropriada para sua natureza, se Gran Turismo fosse um automóvel, ele seria um muscle car dos anos 1970. Ele almeja potência, geralmente em detrimento de outros aspectos, e não há episódio que ilustre melhor este símile que GT4. A obra máxima do obcecado Kazunori Yamauchi e sua equipe Polyphony Digital realizou proezas que não foram igualadas pelos muitos jogos excelentes que o sucederam, mesmo nos consoles da nova geração. Ao mesmo tempo, possui calcanhares-de-aquiles que outros títulos muito menos competentes superaram. Mas é justamente essa mistura que define sua personalidade forte e sua relação de amor e ódio com os amantes do automobilismo digital.
A série de tiro da SNK Playmore tem suas raízes no Neo Geo e há 12 anos tem fama de difícil. Como no clássico Contra da Konami, você controla seu soldado por sucessivas fases de deslocamento lateral (e às vezes vertical), enfrenta hordas de inimigos e morre ao simples toque de um tiro. Como diferencial, a série tem o controle de veículos, os “slugs” do título.
Até hoje, o jogo tem sido projetado para arcades e, portanto, tem como objetivo papar fichas de jogadores desavisados ou persistentes. Metal Slug 7 é um marco por ser o primeiro episódio numerado projetado desde o início para um console, sem uma versão arcade que o antecedesse. Para o bem e para o mal, a tradição da série foi seguida à risca.
Tudo bem, Konami, você está perdoada por nos insultar quatro vezes com seqüências 3D de Contra; por nos fazer esperar 15 anos por outro bom e velho Contra 2D; por entregar nas mãos de um estúdio americano a tarefa de ressuscitar sua série de tiro. Contra todas as tendências, Contra 4 mostra-se um excelente jogo e um surpreendente retorno às origens.
Sob nova direção
Quem confiaria na Wayforward Technologies, uma empresa cujo currículo inclui versões portáteis de licenças como Bob Esponja, Barbie e Jake Long? Faria mais sentido entregar o novo Contra à Treasure, empresa formada por ex-funcionários da Konami, que reviveu Gradius com o quinto jogo e tem experiência em jogos de ação como Gunstar Heroes.
Mas é nítido o respeito que a equipe teve pela tarefa. Houve um cuidadoso trabalho de pesquisa para compreender a essência dos episódios originais – leia-se: Contra, Super Contra, Contra III e Contra: Hard Corps – e rigor na aplicação desses conceitos.
Sistema: PlayStation 3 Produção: Konami Desenvolvimento: Kojima Productions Lançamento: 12 de junho de 2008 (EUA) Mais: http://www.konami.jp/mgs4/en/
A confortável poltrona preta e a iluminação noir convidam ao repouso, mas o copo de uísque, intocado, não deixa mentir: David Hayter está tenso. “Então, quem é David Hayter?”, pergunta Lee Meriwether, apresentadora do programa Celebridade Moralista. O desconforto do entrevistado é compreensível: ela, ícone da TV americana, Miss America em 1955, Mulher-Gato no filme Batman de 1966 e a voz sedosa da ainda sedutora Big Mama; ele, ídolo nos fóruns de internet, roteirista do filme X-Men e a eterna voz áspera de Solid Snake. Um conflito de gerações, um interrogatório, antes que entrevista, entrecortado pela própria condutora. O jovem artista mal tem chance de se posicionar, enquanto a reduzida platéia do minúsculo auditório e a presumida massa do outro lado da transmissão televisiva abraçam os sofismas de uma felina Meriwether. “Quais são os seus sonhos?”, prepara ela. “Bem, eu diria que o projeto dos meus sonhos…”, interrupção, sobreposição: “Deixe seus sonhos te guiarem. Uma mensagem de esperança para os jovens de hoje, de David Hayter”. E, na projeção acima da mesa de centro, os dois helicópteros que se bombardeavam chegam a um termo. Palmas. A Hayter, destroços incandescentes em queda, só resta a queixa muda: “Eu nunca disse isso…”
Esta é a resenha de Metal Gear Solid 4 que fiz para a Rolling Stone de julho (já nas bancas, capa do Barack Obama). Por ser um texto curtinho, é a síntese do que penso de MGS4. Esta semana eu terminei a minha crítica para a próxima edição da GameMaster, bem mais extensa e fundamentada. Daqui a algumas semanas, quando a revista já estiver nas bancas, publico essa versão aqui no blog. Por ora, fiquem com a da RS, que o Pablo Miyazawa gostou bastante (tanto que me ligou no domingo em que estava fechando a revista para elogiar, o que para mim não teve preço ^_^).
Metal Gear Solid 4
A lenda digital alcança a bela morte
Sistema: PlayStation 3 Produção: Konami Desenvolvimento: Kojima Productions Lançamento: 12 de junho de 2008 (EUA) Mais:http://www.konami.jp/mgs4/en/
Os primeiros momentos de MGS4 são programáticos: após assistir a uma longa introdução – um monólogo do herói Snake enquanto desembarca em um cenário de guerra –, você assume o controle do personagem. Nem 10 segundos transcorrem até que tenha início outra longa seqüência não-interativa. Definitivamente, este é um Metal Gear, e, mais do que nunca, não é solo para pés virgens. Desde a trama, que pressupõe um jogador iniciado, até os controles, modernizados, mas alicerçados no modelo de 10 anos atrás, o jogo deixa bem claro que não fala com estranhos. Mesmo eventuais flashbacks estão lá para massagem mnemônica, não para contextualização. Não há concessões, apenas a mente do criador Hideo Kojima fluindo livremente, numa das obras mais autorais dos videogames. Seu prestígio possibilitou proezas tecnológicas, que servem de bela moldura para a sofisticada narrativa do herói que busca amarrar as duas pontas de sua existência. O drama de Old Snake é a apoteose da série, mas não faz pela mídia muito mais do que já fizeram os três episódios anteriores. Ainda é um produto que ama o fato de ser um videogame, mas não sabe ainda como lidar com suas ambições cinematográficas. No fim das contas, o solilóquio aqui é o do próprio Kojima, que impõe, soberano, sua visão e seu ritmo, não à revelia dos fãs, mas em função deles.
Eu respeito Julian Eggebrecht e seu pessoal da Factor 5, não apenas pela trilogia Rogue Squadron mas também pelos clássicos Super Turrican 1 e 2 do Super NES (com músicas do pouco mencionado alemão Chris Hülsbeck). Porém, uma mancha em seu currículo é o controverso Lair, o jogo de PS3 que prometeu horrores e cumpriu pouco. Dizem que saiu uma atualização na PlayStation Network no dia 15 de abril deste ano, quase oito meses após o lançamento, que permite jogar com as alavancas analógicas e adiciona suporte a rumble para quem tem DualShock 3. Acho que foi mais um pedido de desculpas, mesmo que tardio, do que uma tentativa de salvar o jogo, já que o estrago estava feito. Tenho curiosidade em saber se o controle realmente mudou o jogo como alguns afirmam (uns mais entusiasticamente que outros), mas não tenho a menor vontade de ir atrás dele novamente e baixar a tal atualização. Alguém aí já experimentou os novos controles?
Também fico imaginando o que a Factor 5 estaria fazendo neste momento. Boatos apontam para Kid Icarus para Wii, mas também já falaram de Pilotwings no passado. Pelo jeito, a nova aliança é mesmo de volta com a Nintendo (mas ainda tenho uma esperança infantil de que seja um novo Turrican), e o produto deve ser anunciado na E3 2008, que está a meros oito dias de acontecer.
Enquanto o evento não chega, fique com minhas impressões de Lair, de quando ele só sabia bater asas com manobras sixaxianas. Depois do “salto”.
Na Íntegra publicada ontem, sobre as inconveniência dos agregadores de reviews, o Diego fez uma colocação muito, muito pertinente e interessante:
Não que eu queira soar cínico com essa pergunta mas… pra que serve um crítico afinal de contas? Já não está mais do que provado que manifestações artísticas (de qualquer tipo) possuem carga subjetiva demais pra serem avaliadas a rigor e enfiadas em rankings? E que o gosto pessoal dos avaliadores, críticos ou reviewers em 90% dos casos acaba pesando indevidamente em seus textos?
Pessoalmente, escolho meus games, livros e filmes baseado em impressões sensoriais, e não palavras escritas por pessoas que nem conheço o rosto.
Eu estava postando a reposta, quando percebi que estava ficando muito extensa e que o assunto levantado pelo Diego era interessante demais para ficar meio que escondido ali nos comentários. Como também adoro metalinguajar sobre crítica de jogos, resolvi elaborar melhor o assunto em um novo tópico para tentar responder à pergunta – não sem antes muito teorizar. Você confere o ensaio – e o convido a opinar sobre ele – depois do “salto”.